14.1.13

O, infinitas vezes


































O amor mora aqui, dentro de mim
O amor mora nas flores, nos jardins
O amor mora nas lágrimas e também nos risos

O amor provoca a saudade com vara curta, feito gente boba cutucando onça
O amor faz você sentir frio na barriga, calor no peito, tontura nas ideias
O amor dita o passo na trilha, a corrida pela estrada ou a lentidão nas lembranças

O amor dorme ao meu lado, me acorda com sorriso, me convida pra um bom dia
O amor sonha meus sonhos, não me deixa voar sozinha, sempre me faz companhia
O amor não me diz não, mas me diz pense mais então, nunca me proíbe

O amor me liberta
O amor me auxilia
O amor me enxerga
O amor me espera
O amor me impulsiona
O amor me levanta
O amor me deita e me ama
O amor me sorri
O amor me confia
O amor me permite
O amor me dá asas

O amor me faz acreditar

O amor é um verbo, um verso, um sujeito, um lampejo eterno
O amor é ação, é gratidão, é sentir
O amor é viver

Como se tornar um escritor cult de forma rápida e simples


texto de RAFAEL GUTIÉRREZ
TRADUÇÃO MAURO BRIGEIRO


- Que tal Pablo Domínguez Avelar? - ela perguntou com algum entusiasmo.
- Não, comum demais. Tem que ser algo extraordinário, algo que evoque mistério, uma personalidade oprimida pela angústia, um nome que evoque a beira de um precipício.
- Está difícil, disse ela.
Nosso herói, que por enquanto vamos chamar de escritor cult, na falta de um nome misterioso que evoque a beira de um precipício, fala com sua mulher na sala de sua casa. Sua história é simples: nasceu em Medellín, em uma família de classe média, estudou em bons colégios, sua mãe tinha uma biblioteca aceitável, leu desde bem pequeno e quis ser escritor. Seus pais, obviamente, se opuseram, ainda que de forma moderada: persuadiram-no para que estudasse economia ou direito, algo com o que pudesse viver. "A literatura é bonita, mas como hobby", teria dito sua mãe. O escritor cult, claro, odiava a palavra hobby e muito mais se estivesse associada à palavra literatura. Sem nenhuma convicção se decidiu pelo curso de direito, sabia que vários dos grandes escritores que admirava haviam estudado direito, lembrou que um grande mestre da ficção dissera que o melhor treinamento para escrever um romance era estudar a fundo o Código Penal. Depois de alguns semestres tudo lhe pareceu mentira, ou pelo menos bastante exagerado, mas seguiu estudando, porque não queria brigar com seus pais e perder o dinheiro que lhe davam mensalmente. O escritor cult, como todo escritor que se preze, detesta trabalhar, então seguiu estudando e foi passando nas matérias da universidade com notas medíocres, enquanto às noites ele escrevia e lia e pouco a pouco crescia seu desejo de se tornar um verdadeiro escritor cult. Mas sabia que não seria fácil. Ser escritor era fácil, ser um best-seller era fácil, inclusive ser um escritor sério e reconhecido lhe parecia uma tarefa fácil, mas ser um verdadeiro escritor cult não o era, aí estava o desafio.
Mas o que é preciso para ser um verdadeiro escritor cult? Várias coisas: ser completamente inovador, estar contra todas as correntes literárias do momento, ser hermético para a maioria de seus contemporâneos, publicar pouco (melhor ainda se toda sua obra for publicada de maneira póstuma), negar-se a dar entrevistas, usar sempre pseudônimos e -condição importante, ainda que não estritamente necessária- levar uma vida licenciosa, turbulenta, habitar o submundo, flertar com a morte. O verdadeiro escritor cult é, antes de tudo, um poeta em todo o sentido da palavra.
Nosso escritor começou sua tarefa de forma sistemática em novembro do ano de 1993, elaborando um plano minucioso com a ajuda de dois amigos que nessa época faziam parte da Oficina Literária da Universidade Autônoma. A primeira parte do plano consistia na elaboração de uma lista de autores que abarcava o melhor da história da literatura. A lista, tal como foi elaborada pelo grupo, é a seguinte: Shakespeare, Cervantes, Montaigne, Milton, Tolstói, Lucrécio, Virgílio, Santo Agostinho, Dante, Geoffrey Chaucer, o Javista, Platão, São Paulo, Maomé, Samuel Johnson, James Boswell, Goethe, Freud, Sade, Thomas Mann, Nietzsche, Kierkegaard, Kafka, Proust, Samuel Beckett, Molière, Henrik Ibsen, Tchekhov, Oscar Wilde, Luigi Pirandello, John Donne, Alexander Pope, De Quincey, Jonathan Swift, Jane Austen, Lady Murasaki, Nathaniel Hawthorne, Juan Rulfo, Herman Melville, Charlotte e Emily Brönte, Virginia Woolf, García Márquez, Emily Dickinson, Robert Frost, Wallace Stevens, T.S. Elliot, William Wordsworth, Shelley, Jhon Keats, Leopardi, Lord Tennyson, Cortázar, Swinburne, Dante y Christina Rossetti, Walter Pater, Hugo von Hofmannsthal, Victor Hugo, Gérard de Nerval, Poe, Baudelaire, Rimbaud, Valéry, Homero, Camões, Joyce, Alejo Carpentier, Octavio Paz, Stendhal, Mark Twain, Faulkner, Flannery O'Connor, Walt Whitman, Fernando Pessoa, García Lorca, Cernuda, Clarice Lispector, George Eliot, Willa Cather, Edith Wharton, Scott Fitzgerald, Flaubert, Iris Murdoch, Eça de Queirós, Machado de Assis, Borges, Italo Calvino, D.H. Lawrence, Tenessee Williams, Eugenio Montale, Balzac, Lewis Carroll, Henry James, Robert Browning, William Butler Yeats, Charles Dickens, Dostoiévski, Isaac Bábel, Paul Celan, Guimarães Rosa, Thomas Pynchon.
Muitos dias com suas noites passou nosso herói estudando as obras, fazendo comparações, observando as mudanças de estilo, os modos de narrar, a construção dos personagens, as diversas descrições e as estratégias usadas pelos escritores na construção da trama. Apaixonou-se por alguns autores, outros lhe causaram medo, teve que fazer um grande esforço para ler alguns que lhe entediavam, mas sabia que era um exercício necessário, sabia que para fazer algo realmente novo tinha que conhecer a fundo a tradição literária que o precedia.
Seus pais pensavam que ele estava completamente dedicado aos estudos e, no fundo, ainda que reprovassem de vez em quando suas leituras madrugada adentro, estavam orgulhosos da dedicação de seu filho. "Será um grande advogado", pensava sua mãe. "Será um grande político", pensava o pai. "Será um grande maconheiro", pensava seu irmão, que sempre teve um senso de realidade e sempre desconfiou das atitudes estranhas do irmão mais velho.

6.1.13

Carência

Estou carente de uma praia deserta
De estar só, aos pés do firmamento
Eu, o mar, o céu e os infinitos grãos de areia
Encher os pulmões e gritar
Gritar numa ilha deserta
Entrar no mar azul, entrar num mundo nú
Sem nada, sem dor, sem pesar nem rancor

Enchi os pulmões, tentei colocar pra fora num grito só
Mal saiu ruído, mas as lágrimas quiseram brotar
Fiquei com medo de gritar e não conseguir mais parar de chorar
Mas as lágrimas um dia secam

Ao mar as lágrimas vão se misturar e então verei que não faz sentido mais chorar
O mundo já tem água salgada suficiente
Já tem dor o bastante, não quero isso compartilhar
As dores deixarei lá, na areia, pras ondas às profundezas levar

Ainda estou carente de praia deserta, sozinha, livre pra expressar
As pessoas vêem me dando uma má impressão da vida, do mundo
Ou meu ponto de vista está tão turvo que tudo se torna confuso
Não quero demonstrar fraquezas perto delas
Não quero me abrir e contar minhas feridas
Não quero mostrar o que está quebrado

Numa praia deserta juntarei meus cacos
Estarei só comigo mesma, serei eu e eu
Vou ter que me aceitar, vou ter que me ver, vou ter que me entender

A carência é de mim
A carência é do meu sorriso que voou e não voltou
A carência é de carinho
A carência é de uma boa conversa com uma velha amiga
A carência é de sonhos
A carência é de realizar
A carência é de sentir que pode confiar
A carência é de que me segure a mão e diga que está tudo bem, que está comigo
A carência é de que me veja de verdade
A carência é uma bosta
A carência é uma bosta...